ORIGEM DO TOPÓNIMO "VILA VELHA DE RÓDÃO"

   
   

E o gentílico: Rodenses ou Rodanenses?

   
         
   
Rio Ródano Ville-Vieille (Vila Velha) Rio Tejo - Vila Velha de Ródão
   
   

 

   
         
 
 

Muito se tem escrito e discutido sobre a origem do topónimo do nosso concelho, "Ródão" e "Vila Velha de Ródão". Do mesmo modo, muitas interrogações se levantam sobre o gentílico dos residentes em Ródão: "Rodenses" ou "Rodanenses"?

As lutas religiosas contra os Cátaros, desde o início do século XII, continuada no século XIII com a Cruzada contra os Albigenses, talvez nos tragam muitas respostas à nossa curiosidade e dúvidas. Para melhor compreensão, um pouco de história:

Os Cátaros (nome grego que significa "Os puros") eram uma seita religiosa que existiu desde o início do século XII e que, sendo cristãos, se opunham à autoridade e a alguns pontos doutrinais da Igreja Católica, pois a opolência e a corrupção da Igreja de Roma já eram questões que geravam muitas críticas. Os adeptos desta seita eram também conhecidos por albigenses, em virtude de a cidade de Albi, no sul da França, ter sido um dos principais centros desta seita religiosa.

A doutrina desta seita, pregada por alguns bispos e sacerdotes aderentes a esta crença, defendia a existência de dois deuses, ou princípios: o deus bom e o deus mau.

Esta seita religiosa defendia que tudo o que é material é fruto de um deus mau - o diabo. Para eles, o mundo é uma criação do diabo. O nosso corpo é fruto do maligno, enquanto a alma é fruto do deus bom. A partir desta crença, o importante para os cátaros era livrar a alma do corpo pelas mais diversas maneiras: suicídio, corte das veias, asfixía, deixar-se morrer de fome ... Para eles, esta forma de libertar a alma do corpo - que é mau - era a forma mais pura de alcançar, em vida, a salvação que vem de Deus. E por isso, aconselhavam esta forma de pôr fim à vida. Além disto, defendiam a reencarnação em pessoas ou animais, negavam os sacramentos da Igreja Católica e , para eles só era "Perfeito" ou "Puro" quem aderisse à crença cátara.

Esta doutrina difundiu-se rapidamente pelas cidades situadas ao longo do vale do grande Rio Ródano que nasce na Suíça e desagua no Mediterrâneo, ao sul da França. A crença de que todas as pessoas se salvariam, quando a alma se separasse do corpo, contribuiu para o crescimento e difusão da heresia pelo sul de França e Itália

A Igreja de Roma passou a considerar esta doutrina como uma ameaça à religião ortodoxa e decretou-a como heresia, contrária à doutrina tradicional da Igreja Católica.

À medida que esta heresia crescia, a Igreja Católica mobilizava-se para erradicá-la, mas a influência protetora de nobres poderosos e de alguns bispos e clero aderentes contribuía para que a crença se propagasse por muitas outras cidades de França e Itália.

A primeira ação da Igreja contra essa heresia foi tomada pelo papa Calisto II, no Concílio de Toulouse, em 1119. O ambiente era já de perseguição intensa aos hereges, por parte de alguns nobres afetos à Igreja de Roma.

Mais tarde, para travar o crescimento desta heresia, o Papa Inocêncio III decretou uma cruzada que ficou conhecida na história como a Cruzada contra os Albigenses. De início, a cruzada utilizou ações pacíficas, como pregações, exortações e muitas excomunhões. Porém, após o assassinato de um delegado do Papa, por um nobre de Toulouse, a cruzada tornou-se política, resultando numa guerra sangrenta, de extermínio aos Cátaros. Esta luta estendeu-se para norte, pelo período de vinte anos. Foi uma luta marcada pela extrema violência entre os grupos rivais.

No contexto desta guerra civil em que muitos Cátaros acabavam por ser condenados ao fogo, muitos outros, durante a longa perseguição (que já vinha do século anterior) conseguiram fugir para outras regiões mais seguras, sobretudo Suíça e Península Ibérica, onde se radicaram e estabeleceram em comunidades rurais.

Enquanto a Cruzada Albigense de perseguição aos Cátaros aplicava os seus ódios, com intenção de os exterminar, neste cantinho da Península Ibérica nascia uma pequenina nação que, começando em "Portus Cale", em 1143, via o seu território a crescer, para sul, mediante as conquistas de território aos mouros, por D. Afonso Henriques. Já com um vasto território conquistado, vivia-se agora o grave problema do povoamento e consolidação dos limites dos territórios conquistados, sobretudo ao longo do Rio Tejo. Eram precisos muitos povoadores. Esta necessidade foi sentida pelo rei conquistador e pelo seu filho, D. Sancho I.

Curiosamente os nossos primeiros reis tinham raízes profundas no reino de Borgonha - região de Provença, ao sul da França, onde decorriam as guerras religiosas, entre Cátaros e a Igreja de Roma. Os ascendentes de D. Afonso Henriques (seu pai, o Conde D. Henrique; seu avô, Henrique de Borgonha; seu bisavô, Roberto I e muitos outros) eram do ducado da Borgonha, sendo a rainha D. Mafalda, do condado de Sabóia.

É de admitir uma relação muito direta entre os nossos reis e o território dos seus avoengos.

É de admitir um aliciamento dos nossos reis aos Cátaros fugitivos, residentes na Borgonha, com promessas de privilégios especiais, para se fixarem em território lusitano.

É de admitir que este aliciamento ou convite tenha sido feito, ainda no tempo do Conquistador D. Afonso Henriques, e que muitos colonos tenham vindo, para colmatar as sérias dificuldades do rei, no povoamento das terras conquistadas aos mouros.

É de admiir a chegada de muitos outros colonos, no século XIII, a convite de D. Sancho I, o Povoador, que se juntaram aos primeiros distribuídos pelo atual território da Beira Baixa e Alto Alentejo.

A fuga destes colonos, para longe das lutas sangrentas, no seu território, foi para eles uma bênção de Deus e para os nossos reis a esperança de um território desbravado, humanizado e seguro.

É indiscutível a presença dos Cátaros na região de Ródão. Aqui, longe das suas terras e consumidos pela nostalgia do seu Rio Ródano, restava-lhes olhar para este Rio Tejo, tão parecido com o seu que traziam na memória, com muita saudade. Para conservarem recordações nostálgicas, batizaram este território que agora era o seu, com o topónimo da sua região "Ródano" – étimo do atual vocábulo "Ródão". E o mais curioso é que existia e existe naquela mesma região da Provença, donde vieram muitos Cátaros fugitivos, uma vila de nome "Ville Vieille" (Vila Velha), situada numa encosta, com o seu imponente castelo altaneiro.

Neste puzzle encaixa perfeitamente o topónimo Vila Velha de Ródão trazido pelos colonos cátaros.

Bem perto de nós, temos outros casos semelhantes: no concelho de Marvão, colonos também vindos da região do Ródano, criaram "Vale de Ródão". No concelho de Nisa, colonos vindos da região deToulouse criaram Tolosa; outros vindos de Nice, criaram Nisa; outros vindos de Mont Alban, criaram Montalvão; outros de de Arlés, criaram Arez; outros, vindos do grande centro cátaro de Albi, com colonos de Castres criaram a cidade Albicastrense. Temos ainda a probalidade de colonos de Gardet (região do vinho champanhe) terem criado Gardete e outros de Le Vermont terem criado a povoação de Vermum.

Corrobora a vinda fugitiva desta multidão de colonos, aliciados pelos nossos reis, o facto destas cidades serem todas da antiga região da Provença.

Não existe documentação escrita sobre a formação do topónimo "Vila Velha de Ródão", mas os factos apresentados evidenciam bem esta convicção pessoal e assim sendo, obviamente o gentílico dos residentes em Vila Velha de Ródão não é Rodenses, é Rodanenses.

Que os especialistas se prenunciem!...

Vila Velha de Ródão, 2025.

A.C.B. Escarameia

 

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Obras consultadas:

- O compêndio por onde estudei História da Igreja: "Manual de História Eclasiástica", de Bernardino Llorca, S.J.

- "Notas Para a História de Vila Velha de Ródão", de Leonel Azevedo