RÓDÃO - UMA HISTÓRIA MILENAR |
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LOCAL DE ENCONTRO DE POVOS | |
Figura: Ponte sobre o Rio Tejo, a montante das Portas de Ródão
RÓDÃO, O SEU TEJO E A SUA HISTÓRIA
Nem sempre o rio Tejo correu por este leito que hoje lhe conhecemos. Há muitos milénios, as suas águas cobriram esta vasta região espraiando-se até à Serra das Talhadas e daí, para norte, em direção das Sarzedas... Aqui, a acção erosiva das águas deu origem a duas grandes gargantas que hoje chamamos "Portas de Ródão e "Vale Mourão".
Figura: Portas do Vale Mourão .
OS CONHOS - Depois da abertura destas gargantas, as águas impetuosas levavam na sua corrente grandes e pequenas pedras que, rolando no leito do rio, percorreram milhares de quilómetros. Na estreita garganta de Portas de Ródão, devido à força das águas, milhões dessas pedras redondinhas e roliças a que chamamos "conhos", foram-se depositando e acumulando nas margens, a jusante da garganta. Na época romana, estes conhos deram origem a uma atividade mineira de exploração de ouro. Nos últimos anos do século XX, milhões de toneladas destas pedras reliças foram retiradas abusivamente, por industriais locais, para as transformarem em brita. Foi já em pleno século XXI que o ICNF pôs fim à referida exploração. A enormidade destas cascalheiras, pela sua beleza natural, pelo seu colorido e pelo testemunho natural que representam, são dignas de ser visitadas e admiradas. Já vai havendo condições para serem visitadas, sobretudo com o esforço da Câmara Municipal de Nisa. Acreditamos que o esforço conjunto dos dois muicípios - Nisa e Ródão - venham a criar todas as condições para que estas belezas naturais possam ser observadas in loco.
A PRESENÇA DO HOMEM PRÉ-HISTÓRICO
A nível arqueológico, Vila Velha de Ródão é um dos concelhos da Beira Interior mais explorados e estudados por especialistas da pré-história. A carta arqueológica do concelho é exclarecedora desta riqueza tão apetecida dos estudiosos desta matéria.
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O grande caudal do rio Tejo e a extensa rede hidrográfica de afluentes a ele ligados, bem como a grande variedade piscícola que aqui existentiu, até um passado recente, foram de extrema importância para explicar a presença do Homem nesta região, desde tempos muito recuados. A partir dos anos 70 do século passado, muitos estudiosos credenciados têm-se dedicado ao estudo da presença do Homem, neste universo privilegiado dos termos de Ródão. Dos estudos, primeiro surgiu o mais extraordinário complexo de Arte Rupestre do país, engolido pelas águas da barragem de Fratel. Depois foi a descoberta das marcas das comunidades de caçadores do Paleolítico, ao longo das antigas margens do Tejo. .
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O Paleolítico da região de Ródão é hoje representado por uma vasta colecção de artefactos líticos, de idades e culturas diferentes, provenientes de várias estações localizadas essencialmente na área de Vila Velha de Ródão. Esta descoberta deveu-se aos trabalhos do Grupo de Estudos do Paleolítico Português. Entre as mais importantes comunidades do Paleolítico contam-se : -"Monte do Famaco", estação do Paleolítico Inferior, possívelmente uma grande oficina ao ar livre, um local de habitat provisório. - "Vilas Ruivas", Paleolítico Médio, trata-se de um acampamento, com estruturas de habitat organizadas e com utensilagem inserida no complexo técnico Mustiero-Levalloisence. - "Foz do Enxarrique", Paleolítico Médio-Superior, é uma estação que se tem revelado particularmente importante, não só porque já se detectou um solo de ocupação humana e uma indústria lítica muito rica, produzida no local, como também pela recolha de restos faunísticos bastante representativos: grandes mamíferos entre os quais o cavalo, o auroque, o elefante, o veado e pequenos seres vivos, tais como, pássaros e peixes. Quanto aos testemunhos do período Neolítico/Calcolítico, eles estão intimamente relacionados com o Megalitismo. Inicialmente detectado e parcialmente estudado por Francisco Tavares Proença Júnior, o fenómeno Megalítico tem sido nos últimos anos, atentamente prospectado e inventariado pelos membros do Núcleo Regional de Investigação Arqueológica - A.E.A.T, donde, com a devida vénia, extraímos estes dados. Conhecem-se, nesta zona, várias dezenas de monumentos megalíticos, vulgarmente designadas por Antas que são geralmente pequenas construções, com câmara poligonal, corredor e aparelho de xisto. Estes monumentos apresentam-se em precário estado de conservação, alguns deles quase completamente destruídos. O espólio destas Antas é considerado pobre em relação ao de outras regiões (nomeadamente ao vizinho Baixo Alentejo). Os povoados do período que consideramos são muito poucos na area do concelhio de Ródão e o mais importante é, sem dúvida, o povoado da Charneca de Fratel já escavado e estudado. Por fim, temos a considerar as estações de Arte Rupestre do Vale Tejo que se situam em ambas as margens do rio Tejo e seus principais afluentes (Ocreza e Sever). A datação destas gravuras levanta dúvidas aos estudiosos mas pensa-se que abrangem um período vasto, desde o Paleolítico à Idade do Ferro. Há quem defenda que estas gravuras poderão ter uma origem mais recente. Esta opinião é defendida e baseada na certeza de que o caudal das águas do Tejo correram, durante muitos milénios, sobre aquelas rochas, não dando, por isso, acesso aos supostos artistas pré-históricos fazerem nelas as suas gravuras. Ainda recentemente, no início do século XX, o Tejo era navegável de Ródão até Lisboa, correndo as suas águas sobre muitas destas rochas, hoje situadas junto do caudal. Esta opinião é também defendida e baseada no efeito de erosão de tantos milhares de cheias que supostamente teráo corrido sobre as gravuras, até aos nossos dias. Por outro lado, sabe-se, pelo testemunho de alguns idosos que, quando eram jovens, se entretinham, fazendo gravuras nas rochas, com o auxílio de metais, enquanto aspascentavam os pequenos rebanhos de seus familiares. Eu, que escrevo este texto, visitei algumas vezes estas gravuras, entre a Fonte das Virtudes e a Estação de Fratel, antes da construção da Barragem de Fratel. Muitas das gravuras apresentavam-se com uma nitidez perfeita, cor da pedra, com arestas visíveis, a contrastar com outras, gastas e envelhecidas pelos anos. A propósito, ouvi a alguns moradores de Fratel, frases como esta, "nos meus tempos de gaiato, também fiz muitas destas gravuras, enquanto apascentava as nossas cabras". Do que vi e ouvi, não tenho opinião sobre o valor arqueológico de tais gravuras (todas ou parte) mas acredito no saber e no testemunho dos mestres deste ramo da ciência e por isso o seu testemunho merece o meu ato de fé com todo o respeito. A maior parte destas gravuras encontra-se submersa desde a construção da barragem de Fratel (1974), sendo atualmente visíveis apenas pequenos núcleos (o de S. Simão, em Perais, e outro a jusante da barragem de Fratel, perto da linha de caminho de ferro). Do período do Bronze-Ferro, aparecem poucos vestígios, no nosso concelho. Existem dois povoados que se atribuem a este período - os Castelinhos de Perais e o Castelejo do Tostão (os dois com algumas interrogações) e ainda a estação de superfície da Fraga, em Sarnadas de Ródão.
Fonte deste trabalho: Os magníficos "Relatórios do Núcleo Regional de Investigação Arqueológica - A.E.A.T."
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Figura: Ponte quinhentista
ÉPOCA MEDIEVAL. Da época Romana os vestígios encontrados são de maior monta. Apesar disso, a pobreza dos materiais é uma constante. As quatro estações mais importantes - para além da magnífica barragem terrea, da Represa da Lameira, junto à estrada que liga Perais a Alfrívida, caso único na Europa - são a estação da Revelada, a da Fonte dos Piolhos, a do Açafal e do Salgueiral, encontrando-se todas por escavar e estudar. A cerca de 1km da estação da Revelada situa-se a Buraca da Moura, mina de cobre, cuja exploração alguns remontam à época romana. Outros julgam ser de origem mais recente, atribuindo-lhe como época de actividade os séc. XV ou XVI. Esta mina, está situada ao lado da Ponte de Caminho de Ferro, entre a Ponte de São Pedro e a atual fábrica da Navigator. Em 1973, um grupo de professores, entre os quais o signatário destes apontamentos, entrou dentro da galeria, semi-obstruída e verificou que a mina estava escorada com madeira que se presumia (pelo menos aparentemente) não ter uma origem tão remota. Em finais dos anos 70, um inverno chuvoso fez abater a entrada da mina, ficando fechada para sempre. Hoje, exactamente sobre o local que foi a entrada dessa mina, passa a estrada que, passando debaixo da Ponte de São Pedro, dá acesso ao Porto do Tejo. Se algum valor arqueológico tinha, morreu para sempre!...
DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA
Figura: O Castelo de Ródão, conhecido por Castelo do Rei Wamba, construído / ou resconsruído pelos Templários, após a doação do território da Açafa, por D. Sancho I à Ordem do Templo. I Parece inútil procurar qualquer documento histórico anterior ao século XII, sobre o território do actual concelho. Não se lhe conhece foral, o que não significa que este não tenha existido, perdendo-se dele memória, o que não surpreende numa vila e concelho que é dos mais escassos em documentação histórica, no nosso país. É provável que se deva tal facto ao incêndio dos Paços do Concelho, em 1846, onde existia uma vasta e rica documentação do passado de Ródão. Poderá haver alguma documentação no Arquivo da Câmara Eclesiástica da Guarda e nos Arquivos do Paço de Castelo Branco, em virtude da paróquia de Ródão ter pertencido sucessivamente àquelas dioceses, até à extinção desta última, substituída pela de Portalegre. A doação de um território que inclui o do actual concelho , feita entre 1115 e 1118, prova que esta região pertencia ao Condado Portucalense, já desde o tempo de D. Teresa. O documento mais antigo que menciona a região de Ródão data do ano 1186. Trata-se do Foral da Covilhã. Este foral, concedido pelo rei D. Sancho I, menciona a atual região das Portas de Ródão como o limite sul daquele concelho e refere a necessidade de estabilizar as fronteiras e desenvolver economicamente uma área tão despovoada. Em 1199, este monarca concedeu, como prémio dos bons serviços prestados pelos Templários, a região da Açafa ao Mestre do Templo, D. Lopo Fernandes. Era esta Herdade uma vastidão de terras a confrontar com o termo da Idanha, já em posse dos Templários, indo de lá, até ao rio Ocreza e ribeiro do Figueiró, com passagem por Ródão. O território dos Templários é agora alargado para o sul e leste, ocupando uma vastidão territorial que vai desde o ribeiro do Figueiró, Anta da Milriça, - em Mem Soares - Serra de São Miguel, Igreja de Nª Sª de Manjarretes, ainda existente, junto ao convento de S. Pedro de Alcântara, já em Espanha (hoje restaurante), ribeira David, (junto a Valência de Alcântara), castelo de Terrón (em São Vicente), mosteiro de Palante, em ruínas, (perto de Solarino), Rio Salor e daqui até ao Tejo, frente ao rio Erges. Convém recordar que, nesta época, toda aquela área pertencia ao domínio da coroa portuguesa. Quanto aos limites a sul do Tejo, da Herdade da Açafa doada aos Templários, muito se tem escrito, por gentes de muito saber, mas também muitas imprecisões se têm cometido, certamente pelo facto de os seus autores não conhecerem, ou pelo menos, não terem visitado, in loco, as referências de limite apontadas no documento de doação. É o caso de Alexandre Herculano e de Mário Saa que confundiram o castelo de Terrom com o castelo de Nisa, Palantre ou Alpalantre com Alpalhão, Mongaret com Alegrete, ribeira David com rio Sever... Estes escritores tentaram fazer história, sem terem visitado estes locais. Eis os termos da dita doação: "... Partitur enim ultra Tagum per Focem de Figueyroo, quomodo intrat in Tagum, deinde intrat ad rostrum de Merlica et vadit ad Mongaret deinde ad Cimalias de Aqua de Vida, deinde ad Castellum de Terrom quomodo vadit ad Monasterium de Palantri deinde ad semederium de Benfayam, deinde ad Portum de Mola de Salor, quomodo vertuntur aquae de Tagum" Faltam-nos documentos que acompanhem a evolução jurídico-administrativa do território da Açafa, a partir daquela doação e da sua transformação no concelho de Vila Velha de Ródão. A existência do pelourinho Manuelino confirma, no entanto, a autonomia municipal que, seguramente, esta vila conquistou posteriormente ao século XIII. A situação geográfica deste município era de grande importância como ponto estratégico na delimitação das fronteiras cristãs face aos muçulmanos e na garantia da liberdade de navegação do Tejo, empresa atribuída aos Templários. Daí a necessidade de edificação de castelos como o das Portas de Ródãod e Almourol. No "Numeramento do Reino" de 1527, não nos aparecem indicações sobre o número de habitantes de Vila Velha de Ródão, apesar de se lhe fazer referência como limite das comarcas da Beira e de Entre-Tejo e Guadiana. Em 1708, a Vila era "vigararia" da Ordem de Cristo, comenda do conde de Atouguia e contava apenas 160 fogos.
II
Em 1758, o Marquês de Pombal enviou ao Bispo da Guarda um inquérito para que este o distribuísse por todos os párocos da sua diocese. Tivemos acesso a este inquérito do qual extraímos alguns dados, com data de Abril de 1758: "Tem esta fregusia de Vila Velha de Ródam 172 fogos e 438 fregueses. Alem da sede, tem esta freguesia os lugares seguintes: Gaviam, com 50 vezinhos; Tavilla, 7; Val de Cabram, 5; Foz de Cabram, 9; Cham das Cervas, 6; Monte Queimado, 1; Sarnadinhas, 8; Alvaiade, 13; Sereijal, 5; Tostam, 6; Cocherre, 3; Serrasqueiras, 10; Coutada, 15; Val de Pouzadas, 7; Perais, 14; Casa Honrada, 1. O pároco é colado e tem de renda 32 mil réis em dinheiro e 78 alqueires de trigo e 78 alqueires de senteio. Tem as seguintes ermidas: Sam Pedro, dentro da villa; Sam Sebastiam e Espírito Santo, junto à mesma villa; Senhora do Castello, da Alagada e Senhora da Graça, nos limites. À Senhora do Castello acodem vários romeiros todos os anos no dia último de Agosto e fazem novena até dia 8 de Setembro". Concluímos que o dia da sua festa era a 8 de Setembro, tendo passado mais tarde para 15 de Agosto.
Censos da freguesia de Vila Velha de Ródão: O pároco, em 1758, atribuiu-lhe 172 fogos e 438 habitantes. O censo de 1864 atribuiu-lhe 355 fogos e 1.454 habitantes e o de 1878 deu-lhe 430 fogos e 1.652 habitantes.
Censos do concelho de Vila Velha de Ródão: Em 1708, o concelho compreendia já as mesmas 4 freguesias de hoje - Vila Velha de Ródão, Alfrívida (actualmente Perais), Sarnadasde Ródão e Fratel - com um total de 560 fogos. Pelo recenseamento de 1878, contava 1323 fogos e 5.233 habitantes. O censo de 1940 atribuiu-lhe 9.693 habitantes. A partir dos anos 80, começa a grande derrocada. Para isso contribuíram vários factores a que não está alheia a política da não criação de condições, para fixar os jovens casais, o não aproveitamento das potencialidades turísticas da região e a poluição da unidade fabril existente junto à sede do concelho. Em 2003, a população era inferior a 4.700 habitantes. Em 2010, não iria além dos 3800 habitantes. Em 2023, era de 3515 habitantes. **********
CENTRO DE PASSAGEM - A TRANSUMÂNCIA
Para além da estratégica posição de defesa que ocupava, a importância de Ródão advém do seu porto que dava passagem a uma estrada comercial e pastoril, fundamental para o desenvolvimento das regiões da Beira Baixa e Alentejo. O fenómeno da transumância consistia na migração periódica dos rebanhos, vindos da Serra da Estrela, para a planície, durante o inverno, e de retorno à montanha, durante a primavera. Os rebanhos atravessavam o Tejo, em Ródão e em Perais, em direcção aos pastos do Alentejo. A travessia do Tejo, antes da construção da ponte metálica em 1888, era feita através de uma ponte de barcas, unidas entre si. O tráfego fluvial foi muito ativo até à construção do caminho-de-ferro, em 1885-93, que o substituiu. A construção da ponte metálica e do caminho-de-ferro contribuíram decisivamente para o desenvolvimento deste concelho, comprovado pelo aumento da sua população que se verificou até meados do século passado. A partir do último quartel daquele século tem-se verificado um decrescimento da população, de tal maneira acentuado que se tornou alarmante.
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